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A Justiça ao encontro do cidadão

    Quinze anos. Para muitos, a data representa a passagem marcante de mais um estágio da vida, como a dos jovens que debutam. Para o Programa Justiça Itinerante do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) o tempo também passou e os 15 anos chegaram em 2019. A conquista é comemorada pela coordenadora do projeto, desembargadora Cristina Tereza Gaulia (foto). Filha de imigrantes, a desembargadora conta que aprendeu com os pais a retribuir ao país tudo o que ele proporcionara para a sua família. Acredita que sua escolha pelo Judiciário tenha surgido em função dessa perspectiva. Na entrevista abaixo, ela fala sobre o desafio que foi concretizar o sonho de levar a Justiça aonde o cidadão está.     O que representa o Programa Justiça Itinerante? O Justiça Itinerante tem como proposta aproximar os juízes do jurisdicionado. Ao se deslocarem dos gabinetes até o local onde as pessoas vivem, trabalham e se relacionam, os magistrados conseguem enxergar uma população invisível aos olhos do Judiciário e da própria sociedade civil. Isso inclui moradores de rua, de comunidades, prostitutas, presidiários sem documentação, além de situações que passam e o Judiciário desconhece.   Como se deu o processo de criação do programa? Eu adaptei o modelo de locais onde outros juízes já faziam itinerância no Norte do país, através de barcos e caminhões, para levar os serviços às populações que vivem em locais distantes. Eu interpretei a Emenda Constitucional n°45, que determinou a descentralização dos serviços judiciários nos estados, em 2004. O Programa Justiça Itinerante foi implementado na gestão do presidente do TJRJ, desembargador Miguel Pachá, que confiou em mim para dar sequência ao programa.   Como funciona, na prática, a ida do juiz ir ao encontro do cidadão? A intenção é conhecer melhor as pessoas mais simples e humildes. Muitos juízes desconhecem, por exemplo, como é a vida na favela e ao se depararem com essas pessoas num plano mais democrático, se torna mais visível, mais fácil de compreender a realidade que passam. Esse apoio dos magistrados foi essencial para construirmos aquilo que hoje é um programa de sucesso do nosso Tribunal de Justiça.   Quais casos mais marcaram a senhora nessa trajetória? Um caso que me chamou a atenção se refere à dificuldade de o preso conseguir recuperar a sua documentação completa ao sair do sistema de penitenciário. A gente percebeu que a quantidade de internos que possuem certidão de nascimento é maior do que se imagina. Os que possuem não conseguem regularizar a documentação depois que saem por motivos que variam desde falta de dinheiro, burocracia, conhecimento até pela dificuldade de compreender o círculo documental. Mais alguma situação que lhe chamou a atenção? Sim. A Unidade Materno Infantil da Penitenciária Talavera Bruce permite que as mães internas permaneçam com as crianças até seis meses de idade. Verificamos a necessidade de conceder uma guarda provisória para a pessoa que recebe a criança após esse período. Sem a guarda, não há como comprovar a regularidade da manutenção da criança e a interna corre o risco de perdê-la ao sair da penitenciária porque a pessoa se afeiçoa à criança e pode fugir com ela. Com isso, a mãe biológica não consegue mais resgatar o próprio filho. É inimaginável o tamanho da problemática em determinadas situações nas quais o papel dos juízes é preponderante para evitar problemas futuros.     “Ao se deslocarem dos gabinetes até o local onde as pessoas vivem, trabalham e se relacionam, os magistrados conseguem enxergar uma população invisível aos olhos do Judiciário e da própria sociedade civil.” Desembargadora Cristina Tereza Gaulia      Mais algum exemplo? Tem mais um exemplo que gostaria de dar é o da transformação da união estável em casamento. Nunca vou me esquecer de um casamento de um casal do mesmo sexo em que o rapaz me agradeceu e disse que eu não imaginava o bem que estava fazendo para ele. Falou que poderia voltar para a casa do pai e dizer que é uma pessoa digna de respeito porque a Justiça reconheceu o casamento entre um casal homossexual. Foi um dos grandes momentos de felicidade que eu tive na construção desse processo.   O registro civil tem muitas histórias, não? No plano do registro civil de nascimento tem um caso do Complexo da Maré. Chegou uma assistente social acompanhada de um homem em torno de 50 anos em busca de uma certidão de nascimento. Ele se apresentou como Índio e não sabia dizer a idade, onde nasceu e nem os nomes dos pais. Não poderíamos dizer que ele era uma pessoa completa porque faltavam dados básicos. Como num passe de mágica, o juiz acaba transformando uma pessoa que não existe em uma pessoa que existe. Isso é muito gratificante.   E o atendimento à população de rua? Os moradores de rua que dormem debaixo da marquise e dos cobertores que são distribuídos por agências de caridade são pessoas que nós não vemos. Ao trabalhar com a população em situação de rua, percebemos, pelo olhar deles, a mudança durante o atendimento. ‘De repente eu volto a ter um lugar nesse grupo social que sempre me ignora e me deixa na rua’. Apesar das drogas, alcoolismo, doenças, existem histórias que podem ser resgatadas através do Judiciário com base em uma certidão de nascimento. Com isso, muda também a maneira de decidir determinadas questões judiciais.   O que dizer sobre famílias inteiras que não têm documentos? Todos falam que para tirar a certidão de nascimento é de graça, mas esquecem que existe o dinheiro da passagem até chegar ao ato. A pessoa precisa de dinheiro para se deslocar do local onde mora, que geralmente é longe e pegar uma condução, e se alimentar porque vai passar o dia inteiro fora. Às vezes, a mãe não registra porque tem filhos e não tem com quem deixar, aí precisa levar todos, ou seja, mais gastos. Para completar, a ignorância é tão grande que as pessoas não conhecem os próprios direitos. Quando você tem uma proposta de itinerância, ela tem que vir agregada de levar esclarecimentos para a população.   Como lidar com a situação dos refugiados? É difícil para quem está fugindo do seu país conhecer os seus direitos em uma terra estranha, com leis diferentes. É claro que vai se tornar mais um invisível social porque se encontra numa situação de vulnerabilidade e tem medo de ser mandada embora. Enfim, situações nas quais você consegue enxergar problemas que desconhecia, mas que um juiz tem poder e autoridade para modificar a situação dramática dessas pessoas.   Em sua opinião, que mensagem o trabalho do Justiça Itinerante deixa? O Justiça Itinerante mostra que há um contingenciamento imenso de pessoas que ainda não têm acesso ao Judiciário, não entram no Fórum por diversas razões - dinheiro, informação, locomoção geográfica. Olhar a norma constitucional realmente como uma norma de obrigatoriedade não para o juiz, mas para o Poder Judiciário.   SV/FS Fotos: Felipe Cavalcanti/ TJRJ            
29/11/2019 (00:00)

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